sexta-feira, 2 de março de 2018

ANO NOVO, MENTES NOVAS


    
Caiçaras em Emaús (Arquivo Luzia)

Baguari de Fora (Arquivo JRS)

               A cada ano escolar, desde o primeiro dia, eu me deparo com novas mentalidades, com pessoas sensíveis, mas muitas vezes incompreendidas. Pessoas questionadoras, com sede de entender e de contribuir para dar uma nova feição a este mundo.
               A cada acontecimento eu aproveito as oportunidades para repensar um monte de coisas. Às vezes também perco ótimas ocasiões por coisas nem tão necessárias à minha essência. Agora, convém dizer que um ser pensante e atuante tem de estar sempre atento às oportunidades. Por exemplo, num dia destes, vindo de ônibus de Caraguatatuba, encontrei um vendedor de óculos e de outras atrações da China. Era bom de prosa. “Eu sou da capital mundial da cachaça, de Salinas. É em Minas Gerais, conhece? Toda temporada venho para Ubatuba trabalhar nas praias. Hoje fiz a Tabatinga, depois fui pescar no brejo. Olha aqui”. E me mostrou um saco de peixes (tilápias, traíras, acarás e outros). Estava feliz: “Vendi uns duzentos contos, tomei umas cinco cervejas, pesquei bastante... agora vou para a casa do meu primo, na Estufa. Ainda vou preparar estes peixes para o jantar”. Perguntei sobre a família. “Eu tenho uma filha, ficou na minha cidade com a minha mulher. Ela não gosta que eu venha para tão longe trabalhar, mas aqui, agora, é a época de ganhar dinheiro. Por isso que eu venho toda temporada. Já faz quinze anos que faço isso”. E foi longe a prosa! Só sei dizer que, cavando uma oportunidade, ele afirmou: “Caiçara é preguiçoso, não gosta de trabalhar, mexe com drogas...”. E por aí foi. A minha interferência: “Eu sou caiçara, estou vindo de trabalhar, ainda demorarei uma hora para chegar na minha casa. Gente boa e gente ruim tem em todo lugar. Se caiçara fosse de fato ruim, coisa que não presta, você e tantos outros, ricos e pobres, nem entrariam no litoral, nunca estragariam este espaço, não deixariam a quantidade de lixo e de esgotos acabando com o nosso ambiente natural. Porém, de uma coisa eu tenho certeza: muitos desses que você conhece, que se autodenominam de caiçaras, não têm nada de caiçara. Quase sempre são filhos de migrantes, de gente que veio fugindo de situações difíceis de outras terras, que chegou pensando apenas em ‘se fazer’ em Ubatuba. Assim, destrói tudo, invade áreas, cava oportunidades ilegais e desleais para se aparecer como rico. E tem aqueles empreendedores, geralmente da área imobiliária, que vêm de cidades maiores. Eles estão fazendo de tudo para construir em todo e qualquer espaço, aumentando assim as suas reservas econômicas”. Falei mais coisas. Afinal... ele “cutucou a onça com vara curta”. Pobre coitado! Vida de miséria cultural e de miséria mesmo! Vir de outro estado, subsistir num subemprego, comer peixe de um brejo alimentado por esgotos e achar que está na vantagem de até desmerecer a cultura local!?! Eu não mereço isto!

               Que existência é essa, onde a aparência é a motivação da busca da felicidade? Eu me lembro de Tagore, o escritor indiano, chamando a atenção: “O Ocidente parece ter orgulho de imaginar que está subjugando a natureza; como se estivéssemos vivendo num mundo hostil e precisássemos arrancar tudo o que desejamos de uma relutante e estranha ordem das coisas. Tal sentimento é produzido pelo hábito e treino da mente da cidade amuralhada. Com efeito, na vida citadina o homem naturalmente dirige a luz concentrada da sua visão mental para sua própria vida e obras, e isso cria uma dissociação artificial entre o homem e a Natureza Universal em cujo seio ele vive”.
               Conforme o Ivo (Storniolo), “educar não é reprimir, mas, ao contrário, exprimir, liberar. Também não é imprimir, mas, ao contrário, fazer brotar, fazer emergir. Menos ainda seria formar, impondo uma forma; ao contrário, seria desentranhar do mais fundo do ser a sua forma. Com efeito, o verbo educar vem do latim educere, e significa tirar fora, levar fora, extrair, desentranhar a forma humana de dentro do próprio homem, extraindo e revelando a sua própria e íntima essência”. Assim, bem- vindo mais um ano escolar! Bem-vindo Briet, Allan, Geice, Egléia, Napoleão, Gabriela, Luiz, Alecsandro e tantos outros que, nos seus comentários, me permite repensar minhas práticas! Enfim, vamos seguir o conselho daquele escravo na Roma Antiga, o tal de Epicteto: “Empenhe-se em despertar o que há de melhor nos outros, sendo você mesmo uma pessoa exemplar”.

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