domingo, 5 de novembro de 2017

FOLIA NA CADEIA

Antiga cadeia de Ubatuba, na praça Nóbrega (Arquivo Ubatuba histórica)

               Cadeia é lugar triste. O pai do Joaquim Sirvino dizia: “Cadeia não é lugar de homem. Ali a pessoa fica confinada, sem participar da vida comum de todos”. De vez em quando, no meu tempo de criança, eu ouvia a palavra cadeia como sendo lugar de castigo para alguém que cometeu erro grave. Tanto por parte de pai como por parte de mãe eu tive parente que foi inspetor de quarteirão.
               O inspetor de quarteirão era uma autoridade local escolhido por quem era a lei máxima na comarca. Na verdade, o escolhido era um caiçara comum – roceiro-pescador – indicado para “representar a Lei” (a Justiça), resolver os casos mais simples ali mesmo ou encaminhar os casos mais graves (brigas mais violentas, intrigas por terras etc.) para o delegado da cidade. Tio Nelson fala do vovô Armiro, inspetor de quarteirão por vários anos, atravessando o largo, da Fortaleza para o Lázaro, remando com dois detidos por briga feia. “Um na proa, outro na popa e papai no meio, mas cada um com um remo”. Os dois ficaram uns dias na cadeia da praça; vovô teve que romper sozinho o mar na volta.
               Fidêncio e Teotônio escutaram a bronca, varreram o chão e depois foram recolhidos na cela vazia. Na outra se encontrava um dos Mesquita devido arruaça no carnaval. Cansados que estavam, não tardaram a dormir. Logo começaram a sonhar com festa em meio a bonitas toadas, com barulho aumentado cada vez mais. Nisso acordaram. Era um bloco carnavalesco que festejava na praça Nóbrega, com muita gente animada em torno de um boi que cabeceava pra lá e pra cá. Nele estava escrito Boi do Veiga. Tinha gente conhecida dos dois, mas muitos estavam fantasiados. A empolgação era tanta que os dois começaram a se sacudir ao ritmo da marchinha “Velho traz, velho leva”, do compositor caiçara Domingos Anagro. O Mesquita continuava roncando na esteira, num canto da cela, mas os dois logo se soltaram no refrão: “Ratambufe se despede desta tarde de folia/ Subindo a Maria Alves com arco de guatambu/ Velho traz, velho leva com prazer e alegria/ Agora com muita fome só mesmo um prato de angu/ Angu, guatambu... angu, guatambu...Velho traz, velho leva...Velho traz, velho leva enquanto esfria”.

               Após festejarem, cansados até... o soldado de plantão abriu a cela, mostrou as duas vassouras encostadas na parede e deu a seguinte ordem: “Agora vocês dois vão varrer toda a praça, juntar o cisco para depois jantar e dormir. A dona Donata trouxe arroz e peixe frito. Depois que saírem daqui vocês terão quinze dias para acertar as contas com ela, senão... voltam a festejar na cadeia”.

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