terça-feira, 7 de novembro de 2017

CARÊNCIA DE SONHOS

Tia Maria Mesquita e neta  (Arquivo Alix)

               A minha saudosa tia Astrogilda, de acordo com o meu pai, morava no morro da praia do Pulso: “A casa do tio Anastácio, pai da tia Astrogilda, era pra cima da barra, no pé do morro. Hoje, a praia do Pulso, o lugar onde me criei, é só casas de ricaços. Lá a gente nem pode entrar”. Essa minha tia, que nasceu tão perto do mar (aproximadamente cinquenta metros), ao morrer habitava o Morro das Moças, bem longe da praia, na rua que já levava o seu nome: Rua Astrogilda da Conceição. Foi uma tia que me marcou muito devido à garra de lutar pelos nossos direitos, pela questão das terras da Caçandoca.
               Tia Maria Mesquita foi outra mulher decisiva em muitos momentos da minha vida. Também nasceu no jundu da praia da Fortaleza. Assim mamãe explicou para nós: “Ali no Canto do Cambiá era a casa do tio Onofre Mesquita, pai da tia Maria que foi esposa do tio Genésio”. Também terminou os seus dias longe da praia, no bairro da Estufa II.
               A tia Maria, assim como a tia Astrogilda, caiçara de outros tempos, tinha muita sensibilidade, percebia as coisas de longe. Um dia, depois de tê-la visitado com um amigo, esta foi a expressão dele: “A sua tia tem uma alma nobre, tem algo divino em si”. Creio que essa percepção decorreu da narrativa da titia a respeito da sua infância, quando havia muita pobreza. Depois, com o advento do turismo, de como era a sua lida como doméstica, tendo de andar a pé todos os dias até a praia Vermelha [distante quatro quilômetros] “para trabalhar na casa do doutor Paulo Sérgio”.
               Entrando numa preocupação dela naqueles dias, continuou a tia Maria:
               “Tem gente que carece de valores. Digo isso porque aqui perto vejo bem isso quase toda noite quando vou dar uma espiada na rua: uma moçada, gente daqui mesmo, até os filhos da comadre Maria, fumando maconha no pé daquele muro ali. Pra quê? Pra quê serve qualquer droga? Digo que é pra provocar ilusão no pobre! Quem é iludido não enxerga aquilo que deveria enxergar, leva vida de ovelha”. Então lhe perguntei se aquilo não seria miséria cultural. E a resposta dela: “Pode ser, Zezinho. Só sei que é carência de valores! Eu já tentei conversar com esses jovens várias vezes, mas eles até dão risada das coisas que falo. Na verdade, os pais dessa juventude, desses jovens, não sonharam eles; foram criados largados, sem nenhum projeto de vida. Como é que posso eu jogar um caroço de milho no cisqueiro, não cuidar e esperar que dê uma bonita espiga?”.
               Nisso me lembrei das palavras do poeta: “Não adianta ao velho ganhar a discussão com os moços; a vida está do lado dos moços”.

               É isso, tia Maria! Bençãos em sua memória é o que desejo!

2 comentários:

  1. Linda homenagem!! Como não lembrar delas com saudades e admiração!! Grande e carinhoso abraço Zé!!

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