quinta-feira, 14 de setembro de 2017

TINHANGA

Cabeça no bambu (Foto Estevan)


               Dona Laurentina, a minha saudosa mãe, quando parecia não querer perder a paciência com a gente, nos chamava de “cabeça de tinhanga”, significando algo como encrenqueiro, que quer inticar por pouca coisa. Fui buscar a palavra em Moçambique, um país africano de onde tantos foram tirados para serem escravos no Brasil: está no sentido de formar juízo se baseando em crenças, se sustentando em narrativas míticas. Creio que posso afirmar que a mamãe, assim como os caiçaras mais velhos, estava nos chamando de cabeça oca, de quem diz coisas levianas, inconsequentes. “É coisa de gente que está com a cabeça no mundo da Lua”.  Mas também relaciono com Anhanga, um conceito indígena para espírito assustador, visagem, prenúncio de coisa ruim quase sempre ligado aos seres do mato. Por isso que “cabeça de tinhanga” poderia estar se referindo a miranhanga, ou seja, visagem de gente, que deduzo ser sujeito que inferniza, que enche o saco, que torra a paciência. “Assombração na vida da gente” é dizer do meu povo.
               Ah! Esses seres fantásticos! O quanto devemos aos indígenas, aos negros e aos pobres portugueses trazidos como degredados, expelidos da nobre sociedade lusitana a partir do início do século XVI, por ocasião do achamento de Pindorama, do Brasil – a Terra de Santa Cruz!?! Hoje, retomo uma contribuição dos Tamoios ao nosso caldo cultural, ao nosso ser caiçara, falando do Curupira.

               Hans Staden, um alemão que foi prisioneiro em terra Tupinambá, dizia que a noite causava temores aos indígenas, pois as trevas se enchiam de espíritos audaciosos. Assim, qualquer barulho na noite era motivo de inquietação, de nem imaginar sair da proteção da oca. Por isso que era comum acender fogueira junto às redes para estar a salvo dos males. Vamos resumir tais espíritos como guardiões da natureza contra as ações dos homens. O Curupira, por exemplo, era um dos entes mais temidos pelos indígenas. O padre Simão de Vasconcellos o denominou “o espírito dos pensamentos”, que comanda todos os assombros da floresta, pois é o dono das matas cujos segredos conhece e defende. 
             Hoje, quando se exalta a cruz, chamando-a de santa, eu proponho que retomemos o espírito do Curupira e sejamos intiqueiros, "cabeça de tinhanga" em favor da preservação deste meio ambiente saudável deste litoral, desta flora e fauna que se fez em milênios, destes veios de água, deste mar que tantas vidas e poesias nos dá. Sejamos intiqueiros! Não omitamos o Dia da Traição de Yperoig! Isto não é pouca coisa!

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