domingo, 26 de março de 2017

AS PRIMEIRAS MADRES EM UBATUBA

Neide, Ângela e Juventina (?) durante uma feira de artes promovidas pela A.L.A., em 1976. (Arquivo Neide)


               No ano de 1969 eu conheci algumas das Cônegas de Santo Agostinho. Eram as irmãs da A.L.A. (Assistência ao Litoral de Anchieta), religiosas que se dedicaram aos mais pobres em vários pontos do litoral (Apiaí, Guarujá, Cubatão, Ubatuba...). Na verdade, desde 1957, elas encararam a missão em Ubatuba. A referência, o colégio delas, a “Casa das Irmãs”, a A.L.A. propriamente designada era uma edificação na Rua Gastão Madeira, onde hoje estão algumas secretarias da Prefeitura e a Escola “Olga Gil”, bem no centro da cidade. Nesses prédios que você ainda pode apreciar, pois estão servindo à coletividade, são públicos, muitas jovens caiçaras aprenderam lições de civilidade, de enfermagem, de artes etc. A este respeito escreveu uma das protagonistas deste grupo religioso:

               Em janeiro de 1957, duas irmãs foram em audiência ao Governador do Estado de São Paulo, Dr. Jânio da Silva Quadros [...] Ao citarem Ubatuba, onde estavam se instalando, ele se mostrou muito interessado. Por quê?     É que, naqueles dias, notícias de jornal diziam que o Governador havia “dado as costas para o litoral”. Isso foi o bastante para que, com seu conhecido temperamento impulsivo e oportunista, ele se aproveitasse para ligar a obra educativa delas  ao seu governo. Assim estaria respondendo às críticas dos jornais.
               Então propôs a doação de um terreno no município para que a obra fosse em frente. E ali mesmo, diante delas, ligou para o Prefeito de Ubatuba, ordenando-lhe que doasse um terreno à Assistência ao Litoral de Anchieta, a A.L.A., dentro de curto prazo, pois isso seria muito benéfico para a cidade.
               Mas o terreno destinado pelo Prefeito era uma várzea, usada como campo de futebol pela população local, “praça de esportes”. [...] Essa doação foi aprovada pela Câmara Municipal em 21/11/1957 por unanimidade. [...] Em agosto do ano seguinte elas voltam ao Palácio com plantas do novo prédio elaboradas. A construção, tendo passada pela Secretaria da Viação, foi avaliada em cinco milhões. O Governo ficou de estudar a possibilidade de uma ajuda financeira para esse fim. Contudo a A.L.A. nada obteve nesse sentido e a entidade mantenedora arcou com as despesas da construção.

               Além disso, o terreno doado tornou-se um pesadelo por apresentar infiltrações provenientes do lençol freático. Pois havia um córrego subterrâneo nesse local, que além de acarretar um custo muito elevado nas fundações  do prédio, ocasionou posteriormente muitos problemas. 

segunda-feira, 20 de março de 2017

NOVO UBATUBA HOTEL


               
O novo hotel, onde hoje é o Bardolino (Arquivo Ubatuba Antiga)

Onde hoje é o "Calçadão", avistando o Hotel Fellipe (Arquivo Ubatuba Antiga)


           Sempre é pouco falar mais um pouco de Idalina Graça, a primeira caiçara a escrever a respeito de Ubatuba. Agora, recorrendo ao seu teu texto em TERRA TAMOIA, vamos entender a mudança de endereço de seu hotel. Lembramos que, em meados do século XX, Ubatuba, além do Hotel Ubatuba, tinha o Hotel Fellipe como principal concorrente, na Rua Dona Maria Alves, defronte ao supermercado Paulista atual.

               Iríamos mudar para a nossa nova casa, que seria um hotel em miniatura comparado ao grande sobradão que íamos deixar. A nova residência era em frente à Praça de Nossa Senhora de Iperoig. O juiz de nossa cidade nos mandara desocupar o velho casarão, pois, na sua opinião, o prédio estava prestes a ruir. Foi com pesar que me mudei, embora a nova casa fosse prova de meu trabalho conjugado aos esforços do meu marido, que possuía de sobra o senso de economia, qualidade muito apreciada por mim, que não sabia, nem sei cultivá-la.
               Trabalhamos o dia todo: Albino, eu, tia Rita e mais um rapaz que viera para nos ajudar. Não tive tempo de refletir o que estava se passando em mim. Mas, quando meu marido, feliz da vida, retirou a chave da porta do sobradão, não suportei mais e, abraçando-o, desabafei toda a mágoa que sentia, em fortes soluços.
               - Oh! Idalina! Por que você chora? Nós vamos para a nossa casa, que construímos ajudados por Deus, querida, e lá não há lugar para tristezas. Só se é porque Ubatuba está localizada unicamente no hotel, ou você escondeu algum tesouro no jardim...
               Enquanto ele falava, tia Rita sorria, e eu mais soluçava. Por fim parei e olhei, triste, para ambos, Albino e a fiel companheira de onze anos de trabalho e sacrifícios. E ali estavam os dois, sorridentes, a olhar para mim. Como fazê-los compreender a dor que eu sentia se nem eu mesma sabia o porquê dela? Enfim, um último olhar para a palmeira secular, inclinada pelas lutas constantes contra o vento; à farmácia pequenina e branca do Filhinho, mas acolhedora na grandiosidade de sua missão; um adeus à velha e maravilhosa Matriz, e, em desabalada corrida, fugindo ao abraço amigo do meu marido, procurei meu novo lar. Dois dias depois de instalados, vim a conhecer o casal Alvarenga, meu amigo até a data de hoje, que, alguns anos depois, se tornaria o proprietário daquela casa, onde instalei meu novo hotel. [Hoje é o Bardolino, um restaurante].
               No mesmo dia de nossa mudança, foi com indescritível prazer, como a compensar-me da minha tristeza, que recebi, pelo correio da tarde, a quinta carta de Monteiro Lobato.

               

sábado, 18 de março de 2017

A SOLITÁRIA DE IPEROIG (II)


                   
O primeiro ponto comercial de Idalina e Albino, na esquina do "Teatro" (Arquivo Ubatuba Antiga)


         Por eu sempre ter morado em bairros distantes do centro da cidade, não sou a pessoa indicada para falar de personalidades significativas na vida cultural da cidade. Por isso me aproveito dos escritos dos outros nesse detalhe. Assim, este é o prosseguimento do relato do Seo Filhinho. Algumas vezes tive a felicidade de escutar suas histórias na Praça da Matriz! Na minha adolescência também pude apreciar a amizade que unia esse farmacêutico à Idalina, quando, sentados num banco da mesma praça, onde mantinham seus pontos comerciais, conversavam tranquilamente. 

                   
               Quando o hotel esvaziava – porque raros visitantes procuravam Ubatuba naquele tempo – Idalina lia e escrevia. E escrevendo às ocultas, passava para o papel o rico manancial de sua rica imaginação.
               E quantas vezes, atravessando a praça ia à minha farmácia, que ficava em frente ao hotel, para que eu datilografasse admiráveis páginas literárias, rústicas na forma, mas de conteúdo transbordante de lirismo e poesia.
               - Estou guardando meus escritos – ela me dizia – porque um dia hei de publicá-los.
               E assim aconteceu. Willy Aureli, o sertanista desbravador dos sertões de Goiás e Mato Grosso, o brilhante jornalista paulistano, seu hóspede frequente e seu amigo íntimo e fraterno, rebuscando guloseimas nas prateleiras da cozinha, encontrou seus originais atulhando o repositório de uma lata vazia. Foi, portanto, Willy Aureli quem, burilando-as, levou suas produções às páginas dos jornais da Capital, tornando conhecida aquela que passou a ser denominada “Escritora Iletrada” – a Solitária de Iperoig.
               E nessa condição acercou-se de amigos e admiradores, literatos como ela, entre os quais, além de Willy, destacavam-se Monteiro Lobato, Virgínia Lefevre, Paulo Florençano, Evaldo Dantas, Wladimir Piza, Guisard Filho, Audálio Dantas, Urbano Pereira, Luis Ernesto Kawall, Cesídio Ambrogi, Gentil de Camargo e tantos outros, com os quais manteve estreito e cordial relacionamento.
               Mas a divulgação dos seus escritos e a honrosa plêiade de amigos conquistados não lhe deram plena satisfação. É que a esse tempo seu marido [Albino] apresentava grave infecção num dedo do pé, enfermidade cuja intervenção cirúrgica era inevitável. (...)  Passaram-se meses e Albino faleceu.
               Enviuvando sem descendentes, sentindo-se só, desprendida como sempre, doou seus poucos haveres – sua casa, seus utensílios – aos menos favorecidos, com a preocupação de fazer o bem aos pobres, fracos, desamparados e enfermos, enfim, a todos quantos necessitassem de uma mão amiga ou de uma palavra de consolação.
               Surpreendentemente, com toda essa gama de encargos e preocupações, de trabalhos e sofrimentos, Idalina ainda encontrava momentos para pensar e escrever!
               Com a ajuda de amigos dedicados, entre eles o Mecenas brasileiro, Francisco Matarazzo Sobrinho, editou seu primeiro livro – TERRA TAMOIA -, precisa obra literária, infelizmente esgotada, esperando que amigos remanescentes promovam uma nova edição.

               Posteriormente editou BOM DIA UBATUBA, e dava andamento a uma terceira obra quando a morte traiçoeira veio arrebatá-la do nosso convívio.

terça-feira, 14 de março de 2017

A SOLITÁRIA DE IPEROIG (I)

Idalina Graça (Arquivo Ubatuba Antiga)


               Pelo que eu sei, ao menos duas escola recebem o nome da Idalina Graça: uma no centro da cidade e outra no bairro do Ipiranguinha. Tenho certeza que pouca gente, inclusive professores, sabe muito pouco dessa mulher. Então, resolvi transcrever este belo texto, em duas partes, do Seo Filhinho, de 1983.

               “...Sinto-me obrigado a atender à  curiosidade daqueles que, agora, por aqui passando, querem saber quem foi a Solitária de Iperoig, a maviosa escritora do TERRA TAMOIA.
               A Solitária de Iperoig – pseudônimo de Idalina do Amaral Graça – foi, indiscutivelmente, uma das personagens mais notáveis e marcantes na vida de Ubatuba.
               Nascida em Ilhabela – quando o Litoral Norte se debatia na mais angustiosa crise de decadência  - , órfã, ainda na infância, enfrentando no seio da família sérios problemas de sobrevivência, sem meios de frequentar a escola primária, na qual não conseguiu ao menos dois anos de comparecimento, a ela só cabia seguir o exemplo dos jovens caiçaras daquele tempo: emigrar. Ir para Santos onde facilmente encontraria mercado de trabalho e, consequentemente, sorriam promessas de dias mais tranquilos, mais felizes.
               Foi assim que Idalina, em tenra idade, totalmente só, ignorante, desprotegida, abandonada ao léu, soube enfrentar a cidade grande, com todas as vicissitudes, todos os seus vícios e misérias e, com galhardia, de ânimo forte e cabeça erguida, pôs-se a lutar na esperança de atingir destino melhor.
               Enfrentou o pior. Foi empregada doméstica, Vagou de casa em casa suportando, sem meios de reação, admoestações, reprimendas e interminável série de injustiças que só acontecem aos fracos e desprotegidos.             
               Mas, no decurso dessa penosa caminhada, sempre que podia suavizava sua desdita na leitura de todo material impresso que lhe chegava às mãos, desde retalhos de jornais até compêndios que obtinha por empréstimo de raras pessoas compreensivas, das quais conseguia se aproximar.
               Foi esta a sua escola, foi assim que conseguiu acumular algum conhecimento, para que, no futuro, pudesse extravasar em rústicas palavras toda a sensibilidade que lhe transbordava da alma!
               Idalina trabalhava, sofria e sonhava!
               Certo dia o destino apresentou-lhe aquele que seria o fiel companheiro de seus dias pela vida afora, Albino Alves da Graça, igualmente caiçara, natural de Ubatuba, que também lutava por melhores dias na mesma cidade praiana [Santos].

               Casados, desambientados na trepidação da cidade grande e saudosa do bucolismo das regiões em que nasceram, vieram para Ubatuba, onde, depois de pouco tempo como comerciantes na Enseada, estabeleceram-se com pequeno e modesto hotel na cidade, no Largo da Matriz, no qual Idalina se multiplicava no desempenho de todas as tarefas, desde faxineira, arrumadeira, lavadeira, até cozinheira".

sexta-feira, 3 de março de 2017

UM AGRADÁVEL TRAJETO








Imagens e textos do Roteiro turístico - 1951 

               Olá Mércio, Emília Amaral, Tam Castro, Cristina Almeida e Sueli Silvestre: bem-vindos ao coisasdecaicara!

       As imagens acima, que mostram as belezas de São Luís do Paraitinga, tinham a intenção de preparar o visitante para uma beleza maior que se descortinava no alto da serra: Ubatuba. Notar, no último parágrafo, que é descrito o trecho antigo, que passava por Catuçaba. Importante: o Roteiro Turístico é de 1951. Agora, depois de tanto tempo, não sei nem comentar da capela de N.S. do Alto. No dizer do saudoso Seo Lica, "ali era a minha terra, Zezinho. As festas lá eram bonitas demais, enchiam de gente de todo lugar. Você tem passado por lá? Viu a capela no alto do morro?". Era naquelas cercanias que o estimado professor Hércules tinha a sua casinha, onde tantas vezes me acolheu nas caminhadas pela região. Ou seja, eu enfrentava aqueles caminhos pensando sempre no abrigo amigo que me aguardava. Bons tempos! Experiências e convivências inesquecíveis!