domingo, 31 de maio de 2015

PROSEANDO COM TIO NECO

Tralhas de perruchiu, onde nasce a resistência do jundu.  (Imagem da internet)

               Aos sábados é sagrado o meu ritual: bem cedo estou tomando café com o Tio Neco, na Estufa. O meu filho Estevan sempre me acompanha e também participa da prosa. É comum as novidades e causos para rirmos juntos. Prosa boa é assim.
               De vez em quando eu aproveito para clarear minhas lembranças. O Tio Neco tem me ajudado muito em assuntos que pretendo escrever como nossas coisas de caiçara. Hoje, o assunto é perruchiu. Não sabe o que é?
               Perruchiu é uma plantinha do começo do jundu. Ou seja, só nasce na areia das praias, quando vai começar a se formar a mata resistente dos nossos jundus. É uma vegetação rasteira, de folhas estreitas, pequenas e bem suculentas que prefere as praias de areia grossa, mas que também é encontrada nas outras praias. Agora, devido aos muros e pontos comerciais que invadem nossas praias, desconfio que essa planta corre sério risco de extinção.
               - Tio, como é mesmo o nome daquela plantinha, que cresce na areia da praia, usada antigamente para fazer comida?
               - É perruchiu, Zé.
               - Dessa planta por nome de perruchiu, a mamãe fazia um caldinho com fubá delicioso. Não tem como se esquecer daquele sabor inigualável. Ficava ainda melhor quando era cozida com pregoava. Às vezes colocava arroz... ou apenas farinha da terra, coisa que nunca faltava. Sempre quebrava ovos em cima para aumentar a sustância. Assim crescemos.
               - É mesmo, Tio! Ai que saudade disso tudo!
          - Naquele tempo tinha de apelar para o que tinha.  Era preciso aproveitar de tudo para a nossa alimentação.  Acredito que muito daquilo que nós aprendemos, que garantiu a nossa existência, era herança dos índios.
              - O senhor tá certo, Tio. Era mesmo! Por isso estamos vivos até hoje.
               - Nesta época, de maio até fim de junho, todos queriam capturar gambás (ou raposa). A gente armava cumbu toda noite. Quase sempre não falhava. No dia seguinte era só consertar e comer.
               - Pode explicar a limpeza do gambá, Tio?
             - Depois de morta, passa o animal no fogo e faz a pelação (raspagem da pele com uma faca). A cabeça, a parte superior desde o focinho, é descartada. Língua e céu da boca devem ser limpados puxando uma pele que se solta facilmente devido ao fogo que recebeu. Em seguida, um corte vai abrindo o animal pelo meio, retirando algumas pelotas de carne morta que se encontra pelo pescoço, debaixo dos braços e noutros lugares. Ao abrir em duas metades, vai puxando os órgãos e as tripas até chegar perto da bunda. Próximo do rabo está a catinga dela. Um corte preciso permite remover o que se ajuntou e mais esse local delicado. Se errar, perde toda a carne. A bolsa, se for gambá velha, também é descartada. Depois, basta dar uma fervura. Se quiser fritar – que é melhor, né? – recomenda-se deixar num tempero preparado com alho, cebola e limão. E, finalmente... bom apetite!!!

               - Pode parar, Tio. Já estou com água na boca!

sábado, 30 de maio de 2015

FARINHA DA TERRA

Pescador atravessando ao largo. (Arquivo histórico)

Praia Mansa.  (Arquivo JRS)

               Numa dessas tarde, meio que apressado, ia eu pedalando em direção à praia quando avistei alguém que me despertou a atenção. Reconheci logo um velho caiçara que há tempos não encontrava para uma prosa. Avistei o João!
               Esse João é o João Quintino, primo do Aristeu, natural da Praia da Lagoa. Não conheci o seu pai, mas a mãe, a Dona Paulina, eu tive o prazer de conviver quando se mudou para a Praia da Ponta Aguda, juntamente com os filhos Zeca e Acácio. A boa velhinha aparecia sempre nos serões que a gente promovia debaixo da jabuticabeira, no terreiro da Dona Filhinha.
               O João, depois de velho, ficou melhor de prosa. Já faz tempo que trocou a Ponta Aguda pelo Massaguaçu. Agora não pesca mais e não caça, mas adora falar dessas atividades que por tanto tempo manteve. “No largo, no canal da ilha, puxei muitas caçoas. Quando queria pescar garoupa, era só ter uma embetara apodrecendo ou um peixe galo e ir na costeira. Não falhava. Sargo, pirajica e  robalinho eu pescava no parcel da Ponta Aguda e na Praia Mansa”.
               Curioso mesmo é escutar o João narrando suas caçadas. É o único caiçara que conseguiu se alvejar duas vezes: a primeira, espreitando paca, se atrapalhou num cipó e o tiro estragou o joelho. “Quem me socorreu foi o Aristeu. Ele tinha uma brasília branca. Me carregou do mato e me levou até o hospital das irmãs, em Caraguá. De lá me transferiram para São José dos Campos, onde fiquei internado quase três meses”. Na segunda vez, o nosso personagem perseguia uns porcos do mato. “O dia estava chuvoso. Eu escorreguei e o tiro saiu atravessando a barriga da perna. Só que dessa vez eu tive sorte porque não afetou o osso, nem músculo. Até hoje ainda tenho chumbo na carne”.
                - O que você está fazendo hoje em Ubatuba, João?
               - Eu só vim comprar um quilo de farinha da terra para dar de presente à mulher de um grande amigo meu. Ela é muito boazinha, sabe? Agora vou indo até o ponto para pegar o ônibus de volta para Caraguá.
               E lá se foi o João. Quanto esforço pela farinha da terra para a mulher boazinha!

[Em tempo: 1- farinha da terra é farinha de mandioca feita pelos caiçaras. Hoje predomina a produção do Sertão do Ubatumirim.     2- Caraguatatuba dista cinquenta quilômetros de Ubatuba].

segunda-feira, 25 de maio de 2015

ENTRE AMIGOS

Os clássicos e o Victor (de cajado): bem-vindo. (arquivo JRS)

Baguari de Fora: tudo lindo. (Arquivo JRS)

                Caminhar é muito bom! Caminhar com pessoas amigas é muito melhor!
                Ontem, 24 de maio, conforme o acertado rapidamente, o pessoal que gosta de andar pelos caminhos caiçaras novamente se encontrou para algumas horas de muita satisfação. Desta vez tivemos a companhia, pela primeira vez, do Victor Cayan. Esperamos que tenha sido a primeira de muitas que virão. Valeu, Victor!
                Saímos à 8 horas, da Praia Vermelha (Vermelhinha), seguindo a estrada até a Ponta Grossa do Farol. Depois, devido ao tempo programado, deixamos a sugestão da Toca das Andorinhas e pegamos o caminho do Baguari de Fora. Finalmente, a Praia do Cedro, onde a parada no Bar do Zeca é obrigatória.  Indizível tudo aquilo ali. Ah! Aproveitei o capim-melado em flor para mostrar uma coisa bem caiçara: a gaiola de grilo. No meu tempo de menino, nessa época, já chegávamos grudentos na escola porque tínhamos entrado no capim-melado e colhidos suas hastes floridas para fazer dessas gaiolas. Que legal!

                Algumas preocupações afligem o pessoal do local, os pescadores: há a pressão de toda a Ponta Grossa virar um loteamento, com lotes de 600 metros quadrados cada. Ou seja, é mais uma área nobre da natureza virando um monstro na nossa costa marítima tão bonita. A sociedade ubatubense deve saber disso e tomar posição. Afinal, é a nossa “galinha de ovos de ouro”, a nossa riqueza ambiental que está sendo depenada aos poucos.

                Em tempo: os pequenos ladrões também estão agindo por lá, roubando até botijão de gás do rancho dos pescadores. É mole!?! 

sábado, 23 de maio de 2015

PESCARIA TRADICIONAL DE GAROUPA

Rancho dos Pescadores do Itaguá (Arquivo Chiéus)

Ao ler a matéria do Peter, no seu blog (canoadepau.blogspot.com), me recordei de tantos pescadores antigos deixando a isca estragar, feder mesmo, para depois se dirigir à costeira e trazer bonitas garoupas. Eu diria que é um peixe carniceiro. O finado Jorge Barreto, sempre exagerava nos seus causos, mas...talvez a maioria fosse pura verdade. Numa tarde boa para pescar garoupa, olhando em direção da Laje de Fora, assim nos contou: "Numa ocasião o finado Tio Rita queria ir pescar garoupa, mas não tinha nenhuma isca preparada para isso. Ficou desanimado, mas só por pouco tempo. É que ele se lembrou de uma ninhada de gato que tinha enterrado naquela semana. Pegou uma enxada, colocou aquela porcaria de isca no balaio e lá se foi. Não é que o danado logo trouxe três ou quatro garoupas das grandes!?!" 

PESCARIA TRADICIONAL DE GAROUPA, entrevista com Antenor e James.

Reproduzo aqui um trecho com menos de 5 
minutos de uma conversa de uma hora. Quantos segredos, técnicas, habilidades, sabedoria estão contidos nesses 5 minutos... Imagine durante uma vida inteira de apenas um desses Mestres, que dirá de toda uma comunidade, de gerações... Estamos realmente a queimar bibliotecas em nome da modernidade e do preservacionismo ambiental. Preservacionismo esse que hoje reserva áreas naturais e seus recursos para o desfrute da indústria do turismo, e, no futuro, para uso e exploração das grandes corporações. Porque quando o motivo é alegar o desenvolvimento econômico de um país, o PIB ("gerar empregos"), tudo vale (vide a ampliação do porto de São Sebastião, Belo Monte, etc), e quando não existirem mais comunidades tradicionais que vivam nessas, ou dessas, áreas naturais, ficará muito mais fácil justificar o uso dos recursos para o "bem do país" e seu crescimento econômico.
Foto: Peter Nemeth, Antenor e James, dois Mestres caiçaras.
Esta conversa foi gravada com os Mestres Antenor e James, filhos do Zé Gil, um famoso pescador da Praia da Enseada.

Os pesqueiro Alemão, nós escolhia antes, por causa de... quando pegava um peixe bom... então cê marcava ali... então tem toquero grande sabe, lugar grande esses toquero... que nem esse Carén Carén aí memo, o Carén Carén ele é um... é quase um cascalho, quase que um parcelzão lá fora, mas tem buraco que o peixe carregava... é só garoupão memo sabe, em baixo do costão, é... meu pai quantas vez quase virava nóis lá (para embarcar a garoupa na canoazinha).
Então assim, você mata um peixe que está naquela toca, outro vem e entra naquele lugar, começa a morar ali também?
Ah é... Eu levei o Ferrão pra pesca lá viu, o Carlos, na... na Boca da Arraia, ali no coisa, ele afundou veio loco: Nossa Senhora! Nunca vi tanto peixe! Que lugar fundo, mas como tem garoupa, só tem garoupa, só garoupão! Ficou tão loco, que nem um pinguim, até que matou uma garoupa e correu de lá por causa da Florestal né... mas lá tem muito. Pesquei co Lagarto uma vez lá, perdemo linha pra caramba lá. Mas é lugá de garoupão. Cê vê como é que é peixe, quase encostado na pedra, a canoa bate na pedra né, o costão... é buraco do costão que vai assim, num é assim, é o final do costão que é lascado. E você vê, ali num tem mar grosso... porque num... o mar num bate, ela sobe e desce com a canoa né, vem aquela onda leva lá no costão mas num vai pra cima né,  arria de novo... eu tinha um medo de pesca cum meu pai ali é... papai chegava pertinho, ele remava pra frente, eu remava pra trás... “Entra, rema seu burro!” (risos) “Tá com medo!”. Naquele tempo não jogava a poita ele pescava como o remo na mão, sabe Alemão, ele governando cum a mão ele enfiava lá na craca memo... ah, quando ajuntava aquele peixe Alemão... nóis ia andava por cima da pedra... puta que pariu... me fodia cum ele viu...
E garoupa de quantos quilos que puxava mais ou menos?
Ah, a maior que matô aí foi... de linha, foi né né 23 quilo, de linha... de linha, de espinhel matou bastante... mas de 18 de 20 de 11 de 12, é... todo dia trazia. Eu pescava com linha fina que era pra mantê a despesa, sabe, pagá a isca, matava marimba, vermelho, jaguaruçá, garoupinha miúda, e ele na linha grossa, um dia falei: pai, dá uma linha dessa grossa pra mim mata um garoupão desse aí, ele me deu uma linha quase da grossura daquele negócio da bicicleta, mas era linha de algodão Alemão, você fazia assim... tava pesada... jogava pra baixo... fazia assim... tava pesada... fiquei só com a ponta da linha na mão (risos) aí passô uma onda, dei uma ferrada... ele juntou a linha e foi colhendo linha da minha mão... dobrou aquilo e bateu na minha cara com a linha, “Cê num sabe pescá cum essa merda, num pesca”... (risos). Porque a linha fina cê sente, agora a pesada... fica aquele peso... corda de algodão cara... eu joguei a linha dentro da toca da pedra, ele ficô puto comigo... “Tá vendo... você num sabe pescá com isso, num pesca”.
Tinha algum tipo de sinal aqui assim de tipo de temperatura da água, ou alguma maré, que vocês já falavam: Hoje está bom pra garoupa?  
Água quente, água quente, molhava a mão, água quente tava bão, água fria num prestava... água clara né, água clara num presta... água clara ou água fria num presta... (James: Água fria num presta também, peixe entoca num sai.) ela só pega em toca de pedra, só dentro do buraco né.
Então é mais no verão né, a pescaria de garoupa?
Não... no inverno também dá água mais quente... É coisa que eu pesquei sempre com meu pai e nunca procuremo é...lua, nem... vivemo na pescaria a vida toda Alemão, todo dia... quatro hora da manhã, três hora ele saia do Portinho toda hora remano e ia embora... nós num tinha nada de lua, num tinha nada, só o que nós olhava era o Tempo.
Maré tinha, maré boa pra pescar?
Ah é a parte da manhã, Maré Testada né, maré... a parte da manhã que o peixe come e a parte da tarde... maré cheia é...
Eu pescava cum meu pai numa canoinha, tamanho da... daquela branca, aquela do Lagarto de lá rapaz, a onda batia molhava nóis, sabe assim, a gente rodava aquelas Palma de madrugada né rapaz... aquela Ponta de Sul das Palma é fundo pa caramba. Nóis entrava aqui pelo Leste e saía pelo Sul todo dia... quanta tromenta peguemo, ficamo lá pra cima da Praia de Leste, pra Praia do Sul... que num dava pra passá. E que num tinha comido num tinha nada, ficava assim na seca memo, fudido Alemão.
E comer, vocês não levavam comida, nada?
Ó Alemão, antigamente uma garrafa de café fria, uma garrafa de café fria... num num tinha garrafa né (térmica), garrafa coisa memo com rolha de coisa... e tinha veiz que levava resto de comida, farofa uma coisa assim pra comê né.
Comia na canoa mesmo ou parava?
Comia na canoa memo... que parava nada... meu pai era um homi Alemão que quando tava pescano, ele fumava no cachimbo... sabe o que ele fazia pa num botá fogo no cachimbo... ele cortava um pedaço de fumo com a unha e mastigava cara... pa num perdê tempo de acendê cachimbada...  tava comeno arguma coisa, gole de café num tinha caneca né, bebe na boca assim que nem...
E isca, que isca que vocês levavam?

Isca era bonito, bonito, sardinha, peixe que tinha (James: panaguaiú, sardinha.) peixe podre que tivesse... O melhor é o bonito, mas tem que tá meio passado, toda a pescaria assim de garoupa é isca passada... antigamente não tinha gelo, meu pai enterrava né, enterrava na areia, e no outro dia de manhã cavucava pra pesca... quando vinha de lá já tava meio podre ele jogava um bocado de sal pra num perdê né, punha sal e deixava... fidido pa caramba... 

terça-feira, 19 de maio de 2015

CONSTELAÇÃO CAIÇARA

Dominguinho na baleeira (Arquivo Júlio Mendes)

Praia do Saco das  Bananas (Arquivo Júlio Mendes)


Uma escola onde tantos caiçaras estudaram (Arquivo Júlio Mendes)


             O amigo Júlio, realizando trabalhos topográficos na região do Saco das Bananas, logo depois do Saco dos Morcegos, conviveu por esses dias com o Dominguinho, comeu banana, fruta do conde e, inevitavelmente, fez ótimas fotos. 
               De todas as imagens, a que retrata a escola abandonada é mais chocante. Afinal, na escola primária do Saco das Bananas, muita gente deu o primeiro impulso para enfrentar o mundo. Neide, Juventina, Nicolino, Jango e tantos outros eram desse lugar. Ela funcionava muito bem no meu tempo de... mais jovem!
                Um dos motivos para deixar esses lugares mais isolados de Ubatuba era a necessidade de ver os filhos continuarem os estudos. "Pra quem queria estudar mais, depois do quarto ano, só tinha na cidade. Era lá o ginásio". O texto a seguir, que muito me orgulha, é da minha sobrinha Joseana, uma caiçara que está concluindo o curso de Física na USP de São Carlos. O escrito fez parte de uma palestra proferida no observatório astronômico no último sábado (16 de maio). Ai que orgulho! E tem mais dessa caiçarada alastrando conhecimento pelo mundo afora! Muitos desses começaram a conhecer as letras em escolas que agora estão em estados deploráveis, se apagando como memória envelhecida.

O Tamanho do Universo 

      O dia, noite, astros e todo o Universo era visto de diferentes formas para cada cultura, só apresentar cada um e suas características levaria uma palestra inteira, então focarei somente no que aprendemos na escola. 
      Para nossa cultura ocidental, durante muito tempo a Terra foi considerada chata. A sombra da Terra na Lua durante os eclipses lunares ajudou a convencer sobre seu formato esférico. Nosso planeta era o centro de um Universo limitado pelas estrelas. Sem telescópio, conseguimos ver os planetas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, o Sol, a Lua e abóbada celeste, que nos dá a impressão de que estamos dentro de uma verdadeira esfera, a esfera celeste. 
       O modelo geocêntrico, com a Terra no centro e todos os demais elementos girando ao seu redor durou até o século XVII, quando observações de Galileu apoiaram o modelo heliocêntrico proposto por Nicolau Copérnico. Nele a Terra e todos os demais planetas giram em torno do Sol, que passa a ser o centro da esfera celeste. A esfera continua sendo o limite do nosso Universo, até nos perguntarmos se as estrelas realmente estão fixas em uma esfera ou se estão distribuídas espacialmente pelo Universo. Determinar a distância delas é a primeira tarefa. Determinar distâncias das estrelas distantes foi uma das tarefas mais difíceis para os astrônomos desde a descoberta do heliocentrismo, quando se reconheceu que as estrelas deveriam ser astros semelhantes ao nosso Sol. 

Determinação de distâncias 

        Para estrelas próximas, é possível determinar a distância através da paralaxe. Paralaxe é o fenômeno que faz com que você veja um ponto deslocado para um lado ou outro ao fechar um dos olhos, mudando sua perspectiva. Para estrelas distantes, a mudança de perspectiva é o próprio movimento da Terra em torno do Sol. Ao observarmos uma estrela próximas em dois extremos da órbita, por exemplo hoje e daqui seis meses, vemos uma ligeira variação na posição da estrela em relação às estrelas de fundo. Se temos a distância da Terra ao Sol e a variação angular da posição da estrela, é possível através de geometria simples determinar sua distância. A primeira pessoa a utilizar e apresentar resultados deste método foi Friedrich Bessel, em 1838. Para estrelas mais distantes, esse método não é útil. Somente é possível fazer comparação de brilhos iguais em distâncias diferentes, algo que sabemos a distância com algo igual que não sabemos a distância, esse método é conhecido como método das velas padrão. O problema é saber indiretamente que esses dois objetos brilham da mesma forma. A primeira referência utilizada com segurança para distância maiores foi descoberta por Henrietta Leavitt no começo do século XX. Analisando chapas fotográficas das nuvens de Magalhães, ela descobriu estrelas que variavam o brilho com periodicidade bem definida e uma relação capaz de determinar a magnitude (brilho) absoluta da estrela, essa relação é conhecida como relação período-luminosidade. Se você vê uma estrela que varia seu brilho com certo período e que você conhece a distância, é possível determinar a distância de qualquer outra estrela que varie seu brilho com o mesmo período, por uma simples relação de como a intensidade luminosa cai com a distância. A intensidade cai com o quadrado da distância, então algo que está duas vezes mais longe do que um objeto que você sabe a distância, terá o brilho quatro vezes menor. Essas estrelas conhecidas como varáveis Cefeidas são na verdade o estado final da vida de uma estrela, onde ela pulsa com regularidade. O astrônomo Edwin Hubble conseguiu identificar Cefeidas na conhecida “nebulosa de Andrômeda”, usando-as para determinar sua distância. A distância encontrada era muito maior do que a de qualquer distância conhecida até então, cerca de 2 milhões de anos luz. Na verdade Andrômeda não era uma nebulosa, mas uma outra galáxia, verdadeiro Universo ilha, com bilhões de estrelas em seu interior, assim como a Via Láctea. Nosso tamanho de Universo passou então do limite das estrelas fixas, para as estrelas distantes e em seguida para outras galáxias ao nosso redor, o chamado grupo local. Mas em algumas galáxias não é possível observar cefeidas, é preciso então um novo parâmetro de comparação. Esse novo parâmetro trata-se de uma supernova específica, a supernova do tipo 1A. 

Supernova

       Supernovas são eventos que marcam a morte de uma estrela super massiva, quando a estrela não consegue mais produzir energia o suficiente através dos processos de fusão nuclear. Supernovas do tipo 1A ocorrem em sistemas binários de estrelas, quando uma delas é uma estrela anã branca e a outra uma estrela gigante ou uma anã branca menor do que a primeira. As estrelas anãs brancas são umas das coisas mais densas do Universo, atrás somente das estrelas de nêutrons e buracos negros, uma colher de chá de uma anã branca pode pesar 5 toneladas. Essa alta densidade faz com que sua gravidade seja muito intensa e a estrela passe a canibalizar sua companheira, puxando material dela. Quando a massa da anã branca aumenta até 1.4x a massa do Sol, uma reação nuclear ocorre, fazendo com que a anã branca exploda, resultando em uma intensidade luminosa 5 bilhões de vezes maior do que o nosso Sol. Como essa reação acontece sempre do mesmo jeito e com a mesma massa, é possível utilizá-la como padrão. Esse limite da explosão é conhecido como limite de Chandrasekhar, nome do astrônomo que o descobriu. Com o brilho de Supernovas deste tipo, é possível determinar distância de objetos bem mais distantes do que o nosso grupo local de galáxias, mas isso só foi utilizado à partir de 1980. 
         Agora estamos em um pequeno planeta orbitando uma pequena estrela, o nosso Sol. O Sol é só mais uma estrela entre as 100 bilhões de estrelas que ocupam a nossa galáxia. Nossa galáxia é uma das duas maiores de um grupo de galáxias chamado de Super Aglomerado Local, um pedacinho da grande estrutura do Universo da qual bilhões de galáxias fazem parte. Nosso Universo cresce das estrelas fixas para as galáxias distantes. 

Expansão do Universo 

        A questão é se o Universo continuará sendo deste tamanho que conseguimos observar? Ele é fixo? Até o início do século XX, acreditava-se que o Universo fosse estático, que ele sempre foi e sempre será da mesma forma. Isso começou a mudar à partir do século XX com a ajuda de Vesto Slipher, que analisando o espectro de diversas galáxias viu que todas apresentavam o espectro com linhas deslocadas para o vermelho. O espectro de uma galáxia é o registro dos elementos que a compõe. Esse efeito de desvio para o vermelho é o efeito Doppler da luz de objetos se afastando de nós.          A luz assim como o som é uma onda. Quando escutamos a sirene de uma ambulância, ela tem frequências diferentes quando está se aproximando e se afastando de nós. Para a luz vale a mesma coisa, desde que as velocidade de aproximação ou afastamento sejam comparáveis com a velocidade da luz. Com exceção das galáxias próximas, todas as outras estão se afastando de nós. E a velocidade com que elas se afastam é maior quanto maior a distância. Isso é conhecido como a Lei de Hubble. Se vemos todas as galáxias se afastando de nós, então estamos no centro do Universo? Que posição temos? Há uma posição privilegiada que pode ser chamada de “o centro do Universo”? O Universo é peculiar, e aparente estamos no centro dele pois em qualquer direção que observamos parece que estamos no centro da expansão. Mas isso não é uma exclusividade nossa, o Universo não tem centro e não tem bordas, logo em qualquer lugar que você esteja, será o centro dele. E em qualquer direção que você olhe, o Universo parece o mesmo, a menos de algumas deformações locais em pequena escala. Este é o princípio cosmológico que pode ser aplicado para grandes escalas. O Universo é o mesmo em qualquer lugar (homogêneo) e parece ser o mesmo em qualquer lugar (isotrópico), a despeito de irregularidades locais de escalas menos de 100Mpc. No fim o que observamos do Universo atualmente não é tão diferente do modelo geocêntrico, pois em todas as direções que observamos, o Universo parece estender-se o mesmo tanto e estamos no centro dele. Mas já difere no fato dele não ser estático. Já que as galáxias estão se afastando todas umas das outras, então o Universo está se expandindo, isso indica que houve um tempo onde tudo estava muito próximo. Este conceito foi apresentado por Georges Lemaítre, de que se voltarmos no tempo, ouve um momento em que tudo estava próximo e à partir do qual começou a expansão. O momento em que tudo começou a expandir é o que conhecemos como Big Bang. À partir dessa taxa de expansão é possível estimar que esse processo começou cerca de 13,7 bilhões de anos atrás. Desde então o Universo cresce, mas não com uma taxa constante. Em escalas menores, a gravidade vence a expansão, galáxias de um mesmo grupo se atraem. Quando tudo estava muito próximo, era muito quente e matéria e energia interagiam o tempo todo, dizemos que elas estavam acopladas. Ouve um momento nesta expansão em que a densidade caiu e a energia conseguiu se desacoplar da matéria e os fótons passaram a andar livremente pelo espaço, o que acreditamos que ocorreu 380mil anos após o Big Bang, quando o Universo tinha cerca de 3000 Kelvin de temperatura. Desde então o Universo expandiu e esfriou, estes fótons perderam energia, e hoje devem ter energia de micro-ondas. Caso isso seja verdade, devemos ser capazes de detectar uma radiação resultante deste momento. Isso foi previsto em 1948 por George Gamov, Ralph Alpher e Robert Herman e detectada em 1965 por Arno Penzias e Robert Wilson que trabalhavam para a empresa de telefonia Bell e encontraram um ruído uniforme vindo do céu ao usarem uma antena para testes de comunicação via satélite. Apesar de todas as tentativas de tentar sumir com este ruído, ele continuou. Detectou-se que este ruído vinha do céu e uniformemente de todos os lados. Essa radiação é chamada de Radiação Cósmica de Fundo, que chega até nós na forma de micro-ondas, correspondente à uma temperatura de 2,7 Kelvin com variações de milésimos de grau. Podemos então considerá-la isotrópica, vinda igualmente de todas as direções. A luz viaja com uma velocidade finita de 300 mil km/s, mas mesmo com tamanha velocidade ela leva muito tempo para viajar de um ponto até outro do Universo. O ano luz é uma medida usada em astronomia que descreve a distância percorrida pela luz em um ano, o equivalente a quase 10 trilhões de quilômetros. Isso significa que a luz que chega aos nossos olhos não é atual, é uma luz que vem do passado, o que acontece este momento não conseguimos ver agora, quanto maior a distância, mais remoto o passado que observamos. O fato da luz ter um tempo finito para se propagar, limita nossa visão do Universo, só conseguimos ver luz emitida a 13,7 bilhões de anos atrás, nada anterior a isso chega até nós. É este limite que conseguimos observar que chamamos de Universo observável. Mas nestes 13,7 bilhões de anos que levou para a luz chegar até os nossos olhos, o Universo já expandiu, como estimar seu real valor então? Considerando a taxa de expansão que conhecemos hoje, temos de extrapolar o quanto o Universo cresceu com esta taxa nestes 13,8 bilhões de anos que não conseguimos ter informações. Mas essa taxa de expansão depende do formato de Universo que adotamos.  

                Formato do Universo

           Qual o formato do Universo: O formato do Universo está relacionado com sua distribuição de massa. Conseguimos ver parte da massa do Universo, a massa concentrada nas estrelas, nebulosas e galáxias. Mas há uma massa que não podemos ver, mas podemos ver os efeitos de sua presença Pela teoria da relatividade geral de Einstein, massa pode deformar espaço e observamos esse efeito na proximidade do Sol, o corpo mais massivo na nossa proximidade. A luz viaja pelo caminho mais curto no espaço, para o espaço que conhecemos, essa trajetória é uma linha reta, mas para uma superfície curva é chamada de geodésia. No Universo acontece o mesmo efeito, vemos luzes duplicadas após passarem por regiões massivas, o que conhecemos por lentes gravitacionais. Muitas vezes a quantidade de massa que vemos em lentes gravitacionais parece não ser o suficiente para deformar tanto a luz, indicando que ali há algum tipo de matéria que não podemos detectar, que chamamos de matéria escura. Estimamos que toda a matéria que podemos observar no Universo corresponde à menos de 5% de toda a sua composição, outros 23% são matéria escura e 72% algo que chamamos de energia escura e que seria responsável pela expansão acelerada do Universo, mas isso é um tema para outra palestra. Descobrir como a distribuição de massa e energia no Universo influi no formato deste é um dos desafios da cosmologia atual. Há três possibilidades de acordo com a relatividade geral de Einstein: O Universo aberto com curvatura negativa como uma sela, o Universo plano ou Universo com curvatura positiva, como uma esfera. Existe uma relação omega, que relaciona a densidade do Universo dividida por uma densidade crítica. Se essa relação for igual à 1, o Universo é plano, se for menor do que 1, tem um formato de sela e se maior do que 1 tem o formato de uma esfera. As consequências para o futuro do Universo são diferentes para cada tipo de geometria. Atualmente as informações que temos através do mapeamento da radiação cósmica de fundo é de que o Universo é quase plano com um erro de 0,4% que o Universo é plano. Se temos quase certeza de que o Universo é plano, então imaginamos que ele expandirá indefinidamente com uma taxa acelerada graças à energia escura. Neste cenário conseguimos estimar o quanto o Universo expandiu nestes 13,8 bilhões de anos que conseguimos ver, chegando em um valor próximo de 92 bilhões de anos luz. Lembrando que esta é somente uma estimativa, o tamanho de todo o Universo nós não sabemos, pode ser que ele seja infinito. E se ele for finito, o que há além dele? 

Introduction do Cosmology – Barbara Ryden Cosmology : The Science of the Universe – Edward Harrison http://www.if.ufrgs.br/~fatima/ead/universo.pdf http://www.if.ufrgs.br/~fatima/ead/origem.htm http://www.if.ufrgs.br/~fatima/ead/tempo-e-distancia.htm http://www.if.ufrgs.br/~fatima/ead/expansao-cosmologia.pdf http://www.if.ufrgs.br/~dpavani/FIS02008/AULAS/2011_1_ciclo2/modeloscosmologicos.pdf http://www.nasa.gov/audience/foreducators/5-8/features/F_How_Big_is_Our_Universe.html http://www.astro.iag.usp.br/~ronaldo/intrcosm/Notas/CMBR.pdf http://www.fma.if.usp.br/~rivelles/Seminars/cosmologia.pdf http://www.fma.if.usp.br/~rivelles/Seminars/cosmologia.pdf http://en.wikipedia.org/wiki/Shape_of_the_universe http://en.wikipedia.org/wiki/Big_Bang http://pt.wikipedia.org/wiki/Radia%C3%A7%C3%A3o_c%C3%B3smica_de_fundo_em_microondas http://sci.esa.int/planck/ http://sci.esa.int/planck/55385-planck-reveals-first-stars-were-born-late/ http://hubblesite.org/hubble_discoveries/dark_energy/de-type_ia_supernovae.php http://www.space.com/24073-how-big-is-the-universe.html

segunda-feira, 18 de maio de 2015

ZÉ BRÁZ E O FIM DO MUNDO


Arte Nossa (Arquivo JRS)
                  Em março de 2011, dei a conhecer esta contribuição de duas mulheres  caiçaras maravilhosas: Nilséa e Dona Santa. Agora, homenageando essas saudosas companheiras de outros tempos, vale a pena recordar.         
                   No ano de 2005, recordando-me de algumas  histórias  contadas  por dona Francisca "Santa",  da  praia  do  Perequê-mirim, senti  vontade  de   escutá-las   novamente. Telefonei para a sua filha Nilséa e marcamos um encontro. Foi   um   dia  maravilhoso! Saí encharcado pelo banho de cultura que as duas esbanjaram!
            Apresento, hoje, de forma resumida, a façanha do Zé Bráz. Desta família tradicional do lugar eu somente conheci o João Bráz. Os seus descendentes são poucos, e, por enquanto, não mostram interesse pela memória interessante de seus antepassados. Eis o causo:
            Há cem anos, mais ou menos, na praia do Perequê-mirim, morava um solteirão por nome de Zé Bráz. Muitos diziam que ele era meio tonto, desequilibrado, mas não é isso que se conclui depois de analisar os seus muitos feitos. É o contrário!  Ele era muito astucioso, capaz de elaborar os melhores planos com a intenção de pregar boas peças nas pessoas. Era um verdadeiro maroto!
            A história do fim do mundo é a sua mais famosa elaboração. Veja a engenhosidade dele: primeiramente divulgou uma história. Anunciava a todos que “no dia 25 de março o mundo vai acabar. Todos devem se preparar para perceber o principal sinal em cima do mar, pois ele vai pegar fogo e vai ser o fim de tudo”.
            Quando se aproximava a dita data, Zé Bráz preparou uma balsa com talos de bananeira e colheu muito capim seco. Depois, já no referido dia, com sua canoa rebocou pacientemente (bem escondido de todos!) aquela jangada até a costeira da ponta da praia da Santa Rita. Bem para lá da Pedra do Sino, num ponto bem distante da praia, de onde os moradores dos vários pontos e praias tinham uma boa visão.
             Naquele tempo as pessoas cumpriam um ritual no serão, ou seja, na chegada da noite todos iam até o porto (chegada dos caminhos no jundu) mais próximo para dar uma última olhada no mar. Até proseavam um pouco antes de se retirarem para o repouso da noite. Sabendo disso desde que arquitetou a ideia (que as pessoas estavam no lagamar admirando o crepúsculo), o astucioso acendeu a tal balsa. Aí, as pessoas, muitas delas já apreensivas e angustiadas por causa da história que era de domínio de todos, reconheceram o tão profetizado sinal: o incêndio no mar.
            Foi um desespero só! Gritavam, choravam, chamavam os filhos para ficarem juntos até o momento da morte.   É preciso lembrar que as pessoas eram simples e respiravam numa atmosfera de temor religioso? Isso bastou para tornar a armação bem verídica!
            A sorte foi que alguém percebeu a canoa do Zé Bráz nas proximidades do mar em fogo e matou a charada. Logo tudo voltou ao normal. E assim uma brincadeira tão distante de nós passa um pouco do ser caiçara: engenhoso, religioso, irreverente, contemplativo e astucioso.
Eis um comentário do querido amigo Diego:
Nossa! Fico emocionado ao ouvir e ler História da nossa terra,das nossas origens esquecida,que precisam ser resgatada. Lembro-me da saudosa "Dona Francisca",quantas histórias de Ubatuba,que Deus a tenha..Lembro muito das tardes de tantas histórias que jamais irei esquecer....

domingo, 17 de maio de 2015

ENTRE FLORES...A MINHA AMIGA.

               
Amanhecer no canto de tantas prosas, no Perequê-mirim (Arquivo JRS)

               Lá longe, no mar de tons do verde que recobre o penhasco geológico da borda que nos separa dos caipiras, do “povo da Serra Acima”, desponta o roxo das quaresmeiras e o branco rosado das tinticuias, agora mais popularmente chamadas de manacás da serra. Era onde caçavam os povos dos sambaquis, o povo tupinambá e os caiçaras que perpetuaram tal hábito.
               Nessa mata, além das caças, meus pais coletavam frutos, palmitos, cipós, taquaras etc. Hoje, em quase tudo dos espaços onde antes estavam os roçados caiçaras, a mata se regenera, forma capoeira viçosa, tona-se repleta de variedades. Porém, em diversos pontos da encosta, as casas – de ricos e de pobres! -  vão invadindo e danificando a nossa herança ambiental de inimagináveis maneiras. “A destruição é tão criativa quanto a edificação”.
               Na verdade, vai embora a boa qualidade ambiental e segue junto boa dose da cultura que tanto tem a dever a tais condições naturais. É preciso fazer algo. É urgente! “Não sei... Mas desconfio que um passado como o nosso não se joga fora como a água da bacia depois do banho”. Assim disse a saudosa Nilséa, mais uma das queridas caiçaras que acabamos de sepultar. Entre flores a minha amiga se foi.    Meus sinceros sentimentos aos filhos dela: Elinéia, Elenilson e Elenice.
               Numa prosa em meados de 1970, eu e Nilséa escutávamos o  Velho Antônio Julião, tio dela. Ele, um mestre canoeiro, mas dedicado a tantas outras funções, ao presenciar tanta gente no Perequê-mirim e na Enseada se desfazendo de suas posses, da herança de seus pais, nos disse enquanto saboreava seu aperitivo preferido, derivado de alcachofra (da marca cynar):
               “Eles estão pensando que mudam em muita coisa querendo copiar essa gente de fora, querendo ser como ‘tubarão’, quando, na verdade, são como nós: simples caiçaras, dependentes da terra e do mar. Depois, sem nada, num terreninho pequeno, essa gente vai fazer o quê?”.
               Ah! A propósito, o nome dele era Antônio da Cruz. Em decorrência disso, ao chegar no balcão para pedir o seu aperitivo preferido, ele tinha uma mímica bem católica: passava a mão no rosto e fazia o sinal da cruz (traçar com o polegar uma cruz na testa, uma nos lábios e outra no peito). Para algum curioso desavisado, que desconhecia aquilo, ele explicava: “É o sinar da cruz”.

           

sexta-feira, 15 de maio de 2015

MOMENTOS DO OSTINHO

Quem tanto gostava do Ostinho (Arquivo JRS)

       No silêncio do seu recanto em pau-a-pique, entre entalhes e tantas coisas simples e bonitas, está o Ostinho (Washington Garcês de Jesus) escrevendo. Papai, na ocasião da fotografia acima, disse que "o tempo garoento parece ajudar ainda mais o artista caiçara a expor seus sentimentos". Valeu mesmo!


Haviam nuvens escuras no céu
O tempo ameaçador cobriu a janela
E eu não vi você passar
O vento cortava a visão
O tempo esfriou o coração
Eu não vi o seu olhar
As flores minguavam no orvalho
Eu não senti o bom do seu bem
E eu não vi você passar
Assim se foi um elo, um belo sorriso
A limpidez no seu olhar escondia segredos
Que eu não pude decifrar
O tempo esfriou meu coração
O vento cortava a visão
A tal situação que até então
Cobriu o chão de mistérios
Que eu não pude decifrar
A limpidez do seu olhar
Um elo de um belo
Encanto que se esqueceu
E um qualquer canto
Não se fez canto
Não se fez conta e partiu...

terça-feira, 12 de maio de 2015

A EXPERIÊNCIA DO IDAZIL


     
Cemitério caiçara (Arquivo Olympio Mendonça)
               Idazil Gonçalves Pinto nasceu em Paraibuna, mas foi ainda criança para Caraguatatuba porque o seu pai se empregou na Fazenda dos Ingleses. Em 1967, quando aconteceu a tragédia (tromba d’água) nessa cidade, ele tinha a idade de quatorze anos. Assim contou:

            “Naquele dia eu tava catando garu-garu numa das valetas. Garu é um peixinho barrigudo. A gente só tinha o trabalho de espremer a barriga deles e punha pra fritar para depois comer com farinha. Que delícia! Sabe como a gente catava lambari? Naquele tempo tinha uns litros transparentes  com  fundo côncavo. A gente dava um jeito de quebrar ali, bem no fundo,e aquilo virava um covo. Colocava na água e  logo estava cheio de peixe. Até camarão entrava e ficava preso”.

            Entrando nos detalhes da fazenda, o Idazil dá a sua contribuição:

            “A  fazenda era como uma cidade, empregava mais de quatrocentos famílias. No total, deveria ter por volta de dois mil habitantes. Tinha jogos aos domingos. Lá se produzia de tudo: banana, goiaba, figo, laranja... Imagine você que naquela época a cidade de Caraguatatuba tinha por volta de quatorze mil habitantes. Depois da tragédia, muita gente foi embora desse lugar, em torno de cinco mil habitantes”.

            Pelas palavras dele, fica evidente que os estudos não eram fáceis aos que moravam longe do centro da cidade:

            “Eu e outros vínhamos estudar na escola, no centro da cidade, onde hoje é um espaço cultural. Só lá tinha da quinta série em diante. Até um certo trecho a gente vinha no carril, pelos trilhos. Depois só a pé. Eu fui expulso porque joguei uma cebola na lousa. Perdi a vaga e não tinha mais como estudar na cidade. Acabei indo para São Paulo (capital), onde trabalhei num restaurante”.

            A respeito da tragédia que mobilizou tanta gente, dois fatores contribuíram para que os estragos não fossem ainda maiores:
            O Tomaz Ribeiro de Lima tinha um rádio amador e logo enviou pedido de socorro para todo lado. Também o fato de a ponte do Rio Santo Antônio ter sido carregada evitou de toda a água e terra se espalhar e destruir mais coisa e matar mais gente. Teria sido muito pior se o rio transbordasse. Imagine a tristeza de alguém chegar na porta da casa e notar que a água havia carregado todos os seus familiares, todas as coisas. Isto aconteceu!”.         

Comentários:
Do amigo Pedro Caetano:
1- GUARU PANDU! Quando Criança comi muita farofa de Guaru, Farofa de Sabiá,saíra,içá...Tempos de outrora tempos que não voltam mais.

 2- O rádio Amador que ajudou na catástrofe de Caraguatatuba foi o SenhorThomaz Camanes Filho frequência PY2AUN

Da amiga Nanci Lima:
Histórias contadas por aqueles que a vivenciaram, nos aponta outra perspectiva, ampliando e enriquecendo a nossa compreensão sobre os fatos.Valeu José Ronaldo

domingo, 10 de maio de 2015

MÃE MUITAS VEZES

Vovó Eugênia (Arquivo JRS)

               Hoje, dia em que as atenções se voltam para a figura da mãe, eu acordei agradecendo pela mulher que tenho como companheira há duas décadas: Gláucia, a minha Gal. Que mãe maravilhosa Maria Eugênia e Estevan têm!
               Da minha saudosa mãe Laurentina, a Dona Laura, herdei muitas coisas boas. Foi no seu exemplo de firmeza, diante das tantas falhas do meu pai, que eu sempre busquei me afirmar. Foi traída, mas nunca vacilou no compromisso com a família, no esforço de ser um farol para nós. Espero sempre que os meus irmãos também se atenham a essa fidelidade e nunca sejam causa de sofrimento às suas companheiras e aos filhos. A minha mana Ana está de parabéns.
               Para finalizar, mesmo querendo continuar escrevendo neste precioso dia junto à família, tenho que citar a Vovó Eugênia, cuja primeira imagem que me vem é de uma mulher, com seu inseparável chapéu, passeando entre as suas queridas flores dispersas em moitas pelo seu terreiro tão bem cuidado. Nesse cenário foi que eu escutei muitos dos seus comentários reflexivos. Eles também se teciam entre perfume do jasmim, rosas-menina, rosas-negra, beijos, mariquinhas-da-serra, ortênsias, margaridas, madressilvas etc.
               Os temas da vovó eram variados. Por exemplo, diante de uns parentes que na época negaram o catolicismo para se tornarem “crentes”, ela disse com certa tristeza: “Eles mudaram de roupa, mas não mudaram de pele”. Vivendo na nossa pequena comunidade, logo eu entendi que ela dizia de alguns deles: tratava-se de omissos, de pessoas que não assumiram os filhos que tiveram fora do casamento ou de alguns que se aproveitavam dos demais para aumentarem as suas posses (terras) e rendas. Vovó Eugênia, Vovó Martinha, mamãe, mana, minhas estimadas cunhadas, minha Gal...Tantas mulheres a nos dar lições para uma sociedade melhor!
               Resumindo:

               Mãe é mãe. É por isso que as primeiras divindades da Terra, dos antigos povos, eram femininas. Viva as mães!

quarta-feira, 6 de maio de 2015

QUE LEGAL!

Sala da A.S.E.L - década de 1970 Ponta Aguda (Arquivo Ortênsia)

                   Olá, Christiane Gadelha! Olá, Eliseu Mesquita! Sejam bem-vindos ao blog.

                Por esses dias tive o prazer de recordar dos caiçaras do extremo sul de Ubatuba, desde as praias da Figueira, Ponta Aguda, Lagoa, Simão e Saco das Bananas. A responsável pela proeza foi a querida amiga Ortênsia, filha dos saudosos Aristeu Quintino e Odócia, através de fotografias de outros tempos. Ah!  Quando o Eliseu se identificou como morador dessa área até meados da década de 1980, também “viajei” nas minhas vivências por ali. Quanta gente boa eu tive o prazer de conhecer!
                Do Aristeu sempre faço questão de rememorar a sua função de enfermeiro, graças ao incentivo da A.S.E.L (Ação Social Estrela do Litoral), sob inspiração do Frei Pio. Era o responsável pela base dessa entidade na Ponta Aguda, onde tantos caiçaras se sentiam apoiados nas principais necessidades (saúde, educação e alfabetização). Eu, por minhas iniciativas e contatos, pude trabalhar, no começo de 1980, com esse casal maravilhoso. Acompanhei-os aos roçados, às costeiras e proseei muito a respeito de como era a vida naquele lugar. Vivi com eles e muitas histórias escutei nos serões com o pessoal (Gregório, Filhinha, Henrique, Dona Paulina, Zeca, João Araújo...) da Praia da Ponta Aguda.

                O que sinto como urgência desde aquele tempo é a necessidade de demarcar um território que preserve as condições e as características propiciadoras da cultura caiçara. Seria como uma Reserva Caiçara. E aí, novamente insisto: é desde o Canto das Galhetas até a Caçandoca, incluindo a Serra da Lagoa, o Morro da Selinha etc., ainda relativamente em condições bem originais, que vejo como local mais viável desse projeto. É isso um desafio às novas gerações. Assim garantiremos por mais tempo o nosso meio ambiente encantador, capaz de repor nossas energias e de nos dar alegrias sem precisar idolatrar a onda consumista e massificadora da atualidade. Melhor,  sem destruir essa natureza maravilhosa!