terça-feira, 10 de julho de 2012

APOTEOSE




                Em seu livro Ubatuba documentário, Washington de Oliveira descreve uma passagem que eu sempre achei impressionante. É um relato de uma peça teatral exibida no teatro local em 1890, por ocasião do lançamento da pedra fundamental da futura estação da Estrada de Ferro Norte de São Paulo, que deveria ligar  Ubatuba a São Bento do Sapucaí, cortando o Vale do Paraiba por Taubaté. Era a esperança de que Ubatuba acordaria!

                “Essa apoteose idealizada e preparada com o maior carinho, transcorreria, como de fato transcorreu, da maneira seguinte: ao descerrar-se a cortina, o cenário representaria uma paisagem marítima. Ao fundo, o mar, de cujas águas na linha do horizonte o sol emergia radiosamente; à direita, um bosque verdejante pontilhado de flores multicores; à esquerda, estendia-se alvacenta praia, onde sobressaía uma grande concha, rotunda, fechada, repousando sobre a areia.

                Aberto o palco, da direita, com grande estrépito entrou em cena uma locomotiva, arfando, silvando o apito e bimbalhando o sino. A assistência vibrou! Palmas, muitas palmas. Todos de pé. Vivas! Fogos de bengala transmudavam o colorido da cena! A Banda Musical, dentro do Teatro, rompeu vibrando o Hino Nacional e lá fora, na rua, estrugiu uma salva de vinte e um tiros, ecoando forte na calada da noite! E a concha, foi-se abrindo, lenta, mui lentamente, deixando ver dormitando em seu seio, uma loira criança, envolta numa túnica branca ostentando uma faixa escarlate a tiracolo onde se lia, com letras douradas, a palavra UBATUBA. Com toda aquela vibração, com todo aquele estrépito, a criança acordaria, erguer-se-ia, e de pé, agitando no ar uma palma verde –verde-esperança – gritaria: Viva Ubatuba!

                Mas acriança não acordou.

                Mais barulho, mais apito, mais palmas, mais vivas, mais clamor... e ‘Ubatuba’ dormia tranquila, imperturbável, com em torpor de uma opiáceo!

                Todo o ruído, toda a vibração de há pouco foram se arrefecendo. As faces risonhas de uma plateia alvoroçada foram se contraindo em rictos de decepção e de tristeza. E um silêncio profundo caiu pesado dominando tudo.

                Um ‘casaca de ferro’ não se conteve: entrou em cena, balançou a concha... e nada! ‘Ubatuba’ dormia... Numa última atitude, tomou a criança em seus braços e voltou aos bastidores, mal disfarçando lágrimas que marejavam seus olhos.

                Um a um, pouco a pouco, deixando o Teatro, todos voltaram aos seus lares, levando dentro da alma o presságio de que ainda daquela vez Ubatuba não acordaria. Pressentiam que a Estrada de Ferro, em pleno andamento de construção não chegaria ao seu término e Ubatuba não se ergueria para retomar resoluta a trilha do progresso”.

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