domingo, 5 de fevereiro de 2012

A onça do João Araújo

               
Arquivo Olympio Mendonça - Ubatumirim, 1978
                “A arte existe porque a vida não basta” (Ferreira Gullar)
                Amo a arte porque é através dela, em todas as suas manifestações, que a alma humana se realiza.
                Contar causo é uma arte que sempre esteve presente entre os caiçaras. Exemplos de bons contadores estão por aí; outros já se foram (Antonio do Puruba, Braulino Rocha, dona Chica, vó Martinha, Eugênio Inocêncio, Catarino da Praia etc.).
                As rodas de causos sempre foram nos espaços onde as pessoas se sentiam à vontade, entre amigos. Podia ser uma prosa tranquila numa canoa fundeada, entre uma fisgada e outra, ou, numa roda maior no jundu, sob uma frondosa amendoeira. Melhor ainda era aquele encontro diário, após o jantar, quando na sala os mais velhos rememoravam as experiências passadas (próximas ou longínquas).
                Na praia da Ponta Aguda, no serão, já bem próximo da hora da janta, era sob uma jabuticabeira, no quintal do Ambrósio,  que os causos corriam. Não tinha domingo nem dia santo: todo dia era isto.
                Hoje, ilustrado pela fotografia do Olympio Mendonça, retransmito um causo de onça contado pelo Aristeu Quintino, o enfermeiro-pescador:
                “O causo ocorreu com o João Araújo, meu primo da praia do Simão. Quando rapazinho, caçando com o pai na Serra da Caçandoca, uma onça foi avistada dormindo na Pedra da Janta. Decerto estava com a pança cheia! Foi o que motivou ainda mais o tio Bito Araújo a descarregar chumbo na bicha. E tome a aumentar a carga da espingarda!
                Enquanto terminava de preparar a arma, ordenou ao filho que fosse com todo cuidado pelo outro lado da pedra, contasse até três e segurasse bem firme o rabo da onça. A justificativa: assim ela não alcançava o atirador se guiando pelo cheiro da pólvora. Cairia ali mesmo, aos pés do granito.
                O João foi silencioso como uma cobra. Afinal, era bicho do mato! Ao perceber que o menino estava pronto, o caçador contou até três e apertou o gatilho. Deu quase tudo certo: o menino, depois de dissipada a fumaça, segurava fortemente o grosso rabo do felino. Porém, a danada, mesmo distraída, conseguiu um impulso impressionante. O João segurava só o couro. O resto? Saiu em desabalada carreira pelo mato grosso. Deve ter morrido, mas de frio porque ficou sem o calor do couro!”.
                É mole?
                Viva os nossos contadores de causos!

2 comentários:

  1. Gostei mto de ler essas historias, sou neta do Aristeu, filha da Ortensia e do Acacio, e ler essas historias bateu uma saudade imensa do meu avô.. Obrigada :)

    Cassia Santos

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  2. NOSSA ADOREI ESSA HISTORA, SOU NETO DO JOÃO ARAUJO FILHO DE BITO ARAUJO MEU AVÔ QUERIDO ..OBRIGADO POR NÃO DEIXAR A CULTURA CAIÇARA MORRER,NÓS COMO NETOS E FILHOS SÓ SABERIAMOS DESSES CAUSOS ASSIM,VALEU MESMO..

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